A Descoberta dos Raios X
Introdução
No fim da tarde de 8 de novembro de 1895, quando todos haviam
encerrado a jornada de trabalho, o físico alemão Wilhelm
Conrad Roentgen (1845-1923) continuava no seu pequeno laboratório,
sob os olhares atentos do seu servente. Enquanto Roentgen, naquela sala
escura, se ocupava com a observação da condução
de eletricidade através de um tubo de Crookes, o servente, em alto
estado de excitação, chamou-lhe a atenção:
"Professor, olhe a tela!".
Nas proximidades do tubo de vácuo havia
uma tela coberta com platinocianeto de bário, sobre a qual projetava-se
uma inesperada luminosidade, resultante da fluorescência do material.
Roentgen girou a tela, de modo que a face sem o material fluorescente ficasse
de frente para o tubo de Crookes; ainda assim ele observou a fluorescência.
Foi então que resolveu colocar sua mão na frente do tubo,
vendo seus ossos projetados na tela. Roentgen observava, pela primeira
vez, aquilo que passou a ser denominado raios X.
O parágrafo acima pode ser uma dramatização do
que de fato ocorreu naquele dia, mas o fato que a história registra
é que esta fantástica descoberta teve estrondosa repercussão,
não apenas na comunidade científica, como também nos
meios de comunicação de massa. Por exemplo, em 1896, menos
de um ano após a descoberta, aproximadamente 49 livros e panfletos
e 1.000 artigos já haviam sido publicados sobre o assunto. Um levantamento
feito por Jauncey no jornal norte-americano St. Louis Post-Dispatch,
mostra que, entre 7 de janeiro e 16 de março de 1896, quatorze notas
foram publicadas sobre a descoberta e outros estudos relacionados.
Todavia, as mais conhecidas referências a essa descoberta tendem
a minimizar o mérito do seu autor, enfatizando o aspecto fortuito
da observação. Essa visão distorcida que se tem do
trabalho de Roentgen só é eliminada quando se toma conhecimento
dos seus relatos. Com 50 anos de idade na época da descoberta dos
raios X, e menos de 50 trabalhos publicados, Roentgen tinha como temas
prediletos as propriedades físicas dos cristais e a física
aplicada (em 1878 apresentou um alarme para telefone, e em 1879, um barômetro
aneróide). Sobre os raios X publicou apenas três trabalhos,
e ao final da sua vida não chegou a ultrapassar a marca dos 60.
Para um detentor do Prêmio Nobel de Física, esta é
uma quantidade relativamente inexpressiva. Essa "pequena" produção
talvez seja conseqüência do seu rigoroso critério de
avaliação dos resultados obtidos. Pelo que se sabe, ele era
tão cuidadoso, que jamais teve de revisar os resultados publicados.
Lendo seus dois primeiros artigos sobre os raios X, percebe-se a acuidade
do seu trabalho.
Além da inegável importância na medicina, na tecnologia
e na pesquisa científica atual, a descoberta dos raios X tem uma
história repleta de fatos curiosos e interessantes, e que demonstram
a enorme perspicácia de Roentgen. Por exemplo, Crookes chegou a queixar-se da fábrica de
insumos fotográficos Ilford, por lhe enviar papéis "velados".
Esses papéis, protegidos contra a luz, eram geralmente colocados
próximos aos seus tubos de raios catódicos, e os raios X
ali produzidos (ainda não descobertos) os velavam. Outros físicos
observaram esse "fenômeno" dos papéis velados, mas jamais
o relacionaram com o fato de estarem próximos aos tubos de raios
catódicos! Mais curioso e intrigante é o fato de que Lenard "tropeçou" nos raios X
antes de Roentgen, mas não percebeu. Assim, parece que não
foi apenas o acaso que favoreceu Roentgen; a descoberta dos raios X estava
"caindo de madura", mas precisava de alguém suficientemente sutil
para identificar seu aspecto iconoclástico. Para entender porquê,
é
necessário acompanhar a história dos raios catódicos.
.
.
Raios Catódicos e Raios Lenard versus Raios X
Em 1838, Faraday realizou
uma série de experimentos com descargas elétricas em gases
rarefeitos, ligando definitivamente seu nome à descoberta dos raios
catódicos. Todavia, devido às dificuldades técnicas
com a produção de vácuo de boa qualidade, esses trabalhos
só tiveram novo impulso vinte anos depois. Essa nova fase, iniciada
por volta de 1858, pelo físico alemão Julius Plücker
(1801-1868), produziu resultados que desafiaram a inteligência humana
durante quase quarenta anos, até que um bom entendimento do fenômeno
fosse obtido. A denominação
raios catódicos
(Kathodenstrahlen) foi introduzida pelo físico alemão
Eugen Goldstein (1850-1931), em 1876, ocasião em que ele apresentou
a interpretação de que esses raios eram ondas no éter.
Uma interpretação contrária, defendida pelos ingleses,
também chamava a atenção do mundo científico
da época. Para Crookes, os raios catódicos eram moléculas
carregadas, as quais constituiam o quarto estado da matéria
(essa denominação é hoje usada quando nos referimos
ao plasma, que é exatamente o que se tem quando se produz uma descarga
elétrica num gás rarefeito!). Em 1897, Thomson encerrou a polêmica, demonstrando
que os raios catódicos eram elétrons. Ao longo desses 40
anos, diversas observações, comentários e hipóteses
sugerem que vários pesquisadores andaram "rondando a porta da descoberta
dos raios X". Anderson relaciona algumas dessas indicações;
nos seus dois primeiros trabalhos, Roentgen se refere às possibilidades
que Lenard teve de fazer a descoberta.
Num artigo publicado em 1880, Goldstein menciona que uma tela fluorescente
podia ser excitada, mesmo quando protegida dos raios catódicos.
Publicado em alemão e em inglês, este trabalho deve ter chegado
ao conhecimento de quase todos os pesquisadores envolvidos nesses estudos,
no entanto, nos quinze anos seguintes ninguém questionou o fato
de que a tela fluorescia, mesmo sem ser atingida pelos raios catódicos!
Também Thomson chegou perto; um ano antes da descoberta dos raios
X, ele relatou que havia observado fosforescência em peças
de vidro colocadas a vários centímetros de distância
do tubo de vácuo.
Entre todos os pesquisadores, Lenard parece ter sido aquele que mais
se aproximou da descoberta de Roentgen. Dando continuidade aos trabalhos
do seu professor, Heinrich Hertz, Lenard realizou experiências
para verificar se os raios catódicos produzidos no interior de um
tubo de Crookes poderiam ser observados no exterior. Para tanto, construiu
um tubo de Crookes com uma pequena janela de alumínio (espessura
de aproximadamente 0,0025 mm) no lado oposto ao catodo, e passou a observar
os raios catódicos fora do tubo, através da sua interação
com materiais fosforescentes. Posteriormente esses raios ficaram conhecidos
como raios Lenard. Em 1894 Lenard publica, na revista alemã
Annalen
der Physik, suas primeiras observações, entre as quais
destacam-se:
- 1. Os raios Lenard sensibilizavam uma chapa fotográfica.
2. Um disco de alumínio eletricamente carregado descarregava-se quando era colocado no trajeto desss raios, mesmo quando este disco era colocado a uma distância superior a 8 cm (o alcance máximo dos raios catódicos no ar). Quando a mão era colocada na frente do feixe, o efeito de descarga elétrica desaparecia. Comentando esses resultados, Lenard escreveu: "Não se pode afirmar se estamos observando uma ação dos raios catódicos sobre a superfície da janela de alumínio, ou sobre o ar, ou finalmente sobre o disco carregado! Todavia, a última ação é bastante improvável a grandes distâncias da janela".
3. Os raios eram defletidos continuamente por um campo magnético; isto é, alguns raios eram defletidos mais do que outros, e existiam alguns que não se defletiam!
De tudo que se sabe hoje, conclui-se que os raios Lenard eram constituídos
de raios catódicos (elétrons) e de raios X, mas ele acreditava
que eram apenas raios catódicos! Bastava que ele tivesse usado uma
janela de alumínio bastante espessa, de tal modo que os elétrons
não pudessem atravessá-la, para ter um feixe de raios X!.
De acordo com Anderson, Lenard ficou profundamente desapontado por ter
deixado escapar essa descoberta, e jamais usou o nome de Roentgen quando
se referia aos raios X.
O fortuito 8 de novembro de 1895
Na última década do século passado, as pesquisas
sobre os raios catódicos constituíam o tema mais efervescente
em toda a Europa, de modo que parece natural o desejo de Roentgen, então
diretor do Instituto de Física da Universidade de Würzburg,
de repetir algumas das experiências divulgadas. De acordo com Fuchs
e Romer, os experimentos de Roentgen tiveram início em 1894, mas
quase toda a literatura histórica dá conta de que esses trabalhos
iniciaram em 1895. Mais adiante discutiremos esse pequeno mistério.
Apresentaremos aqui o que se sabe dos fatos ocorridos a partir daquela
sexta-feira, 8 de novembro de 1895.
A literatura sobre a evolução dos fatos apresenta algumas
controvérsias, mas uma coisa parece certa: Roentgen não trabalhou
com os raios X mais do que 3 anos. Além disso, em menos de 8 semanas
ele descobriu praticamente todas as propriedades fundamentais desses, escreveu
três trabalhos sobre o assunto, e já em 1897 estava de volta
aos seus temas favoritos, abandonando um assunto de tanta fertilidade,
que proporcionou a obtenção do Prêmio Nobel de Física,
não apenas a ele (1901), como também a Lenard (1905), Thomson
(1906), Laue (1914), W.H. Bragg e W.L. Bragg (1915), Barkla (1917) e Siegbahn.(1924).
Numa carta enviada em fevereiro de 1896 ao seu grande amigo Ludwig Zehnder,
Roentgen diz que, durante os experimentos, não falou a ninguém
sobre o seu trabalho, exceto à sua esposa. Assim, o parágrafo
que inicia o presente artigo, extraído de um relato de Manes, pode
ser falso; ele foi usado aqui como força de expressão dramática.
O que se sabe é que em 28 de dezembro de 1895 Roentgen encaminhou
ao presidente da Sociedade de Física e Medicina de Würzburg
(SFMW) um manuscrito, intitulado "Sobre um novo tipo de raios" ("On
a new kind of rays", ou, em alemão, "Ueber eine neue art
von strahlen"), que ele considera como uma "comunicação
preliminar". Pela profundidade e concisão com que os resultados
são apresentados, não surpreende que este tenha sido o mais
importante dos três trabalhos publicados por Roentgen. Em 9 de março
de 1896 ele envia, à mesma sociedade, sua segunda comunicação,
com o mesmo título da primeira. Em seu artigo, Watson transcreve
essas duas comunicações; as versões originais, em
alemão, e as traduções, em inglês. Segundo Jauncey,
o terceiro artigo é datado de 10 de março de 1897. Na edição
de 23 de janeiro de 1896, Nature publica uma versão inglesa
da primeira comunicação, sendo imediatamente reproduzida
em Science, Scientific American Supplement, Journal of the Franklin
Institute e na revista popular Review of Reviews (semelhante
a Reader’s Digest). A revista alemã Annalen der Physik,
em sua edição de 1o de janeiro de 1898,
reproduz os três artigos. Cópias do primeiro trabalho, com
a radiografia de uma mão, foram enviadas, entre o final de dezembro
e o início de janeiro, aos principais cientistas da Europa, que
assim tomaram conhecimento da grande descoberta, uma vez que os anais da
SFMW tinham circulação bastante limitada, praticamente local.
Roentgen recebeu inúmeros convites para conferências, mas
parece que declinou de todas, excepto uma, apresentada na SFMW, em 23 de
janeiro de 1896, na qual obteve enorme sucesso, apesar da sua reconhecida
timidez. Nessa conferência, ele tirou várias radiografias,
inclusive uma que ficou famosa, da mão do grande anatomista, professor
da Universidade de Würzburg, A. von Kölliker. A cada radiografia
que ele conseguia, a audiência reagia com entusiasmo e estrondoso
aplauso.
As duas primeiras comunicações
As duas primeiras comunicações de Roentgen, que ele considerava
como uma única, são belos exemplos de objetividade e concisão,
sem deixar de lado a profundidade que o tema requer. Impressiona a quantidade
de dados obtidos em tão pouco tempo, mas frustra a expectativa do
leitor interessado na heurística da investigação e
na montagem do equipamento; não há qualquer informação
detalhada nesse sentido. Ele informa que usou uma grande bobina de Ruhmkorff,
mas não especifica que tipo de tubo de vácuo usou; mais adiante
discutiremos essa questão.
Os resultados são apresentados em 21 tópicos, muitos dos
quais contendo um único parágrafo, ao longo dos quais Roentgen
discute praticamente todas as propriedades fundamentais dos raios X. Na
ordem em que aparecem nas comunicações, são as seguintes
essas propriedades. Em primeiro lugar, os raios podem ser detectados através
de cintilações numa tela fosforescente, ou de impressões
numa chapa fotográfica. Diferentemente dos raios catódicos,
os raios X podem ser observados mesmo quando a tela é colocada a
uma distância de aproximadamente dois metros do tubo de vácuo
(os raios catódicos não ultrapassam mais do que oito centímetros
no ar). Roentgen testa a transparência de uma quantidade enorme de
materias, verificando que duas propriedades são importantes: a densidade
do material e a espessura; quanto mais denso e mais espesso, menos transparente.
Depois de testar a transparência, Roentgen investiga efeitos de refração
e de reflexão. Não observa nem um nem outro, embora tenha
ficado em dúvida quanto à reflexão. Tenta defletir
os raios X com o auxílio de uma campo magnético, mas não
consegue, e aqui estabelece uma das fundamentais diferenças, do
ponto de vista experimental, entre os raios X e os raios catódicos,
pois estes são facilmente defletidos por uma campo magnético.
No tópico 12 ele discute uma das questões mais fundamentais
para a identificação dos raios X. Ele conclui que esses raios
são produzidos pelos raios catódicos na parede de vidro do
tubo de descarga! Na seqüência ele informa que observou raios
X produzidos pelo choque de raios catódicos numa chapa de alumínio,
e promete testar outros materiais. Um ano depois, em 17 de dezembro de
1896, o físico inglês Sir George Stokes demonstrou que os
raios X são produzidos pela desaceleração de partículas
carregadas, um fenômeno que ocorre quando, por exemplo, elétrons
com alta energia penetram num material pesado! Ou, na linguagem da época,
quando os raios catódicos penetram num material pesado!
No tópico 17, que encerra a primeira comunicação,
ele discute a natureza dos raios X. Obviamente descarta a identidade com
os raios catódicos. Sugere que poderia ser algo como a luz ultravioleta,
devido aos efeitos fluorescentes e à impressão de chapas
fotográficas, mas no cotejamento de outras propriedades chega à
conclusão de que os raios X não podem ser da mesma natureza
da luz ultravioleta usual. Finaliza o artigo sugerindo que os raios X poderiam
ser vibrações longitudinais no éter. Como se sabe,
essa hipótese era usada pelos alemães (Goldstein, Hertz,
Lenard, e outros) para explicar os raios catódicos.
No início da segunda comunicação, tópico
18, Roentgen examina a questão do efeito dos raios X sobre os corpos
eletrizados, fazendo referência aos resultados publicados por Lenard.
De imediato sugere que os efeitos atribuídos por Lenard aos raios
catódicos, eram, de fato, devidos aos raios X produzidos na janela
de alumínio do seu tubo de vácuo. (Lenard estava com os raios
X ali, na sua frente, e não sabia!)
Nos tópicos finais, 19, 20 e 21, discute questões de ordem
prática: operação da bobina de indução,
manutenção do vácuo e diferença entre alumínio
e platina, no que concerne à intensidade do feixe produzido.
O que mais, além do acaso?
Para se entender a descoberta dos raios X como fruto de um planejado
trabalho científico, muito mais do que um evento fortuito, seria
necessário o conhecimento da heurística que orientou o planejamento
da pesquisa. Infelizmente, Roentgen não dá qualquer esclarecimento
sobre essa heurística. Como vimos acima, seus relatos descrevem
objetivamente os resultados obtidos, sem grandes elocubrações
ou conjecturas teóricas. Ao historiador resta a alternativa de especular,
a partir de fatos conhecidos, na tentativa de montar um esquema racional
plausível para a grande descoberta. Duas dúvidas jamais foram
esclarecidas na literatura:
- Teria Roentgen usado vários tipos de tubos de vácuo? Se as informações de Fuchs e Romer estão corretas, por que Roentgen substituiu o tubo de Lenard por um tubo convencional (Hittorf ou Crookes)?
- Por que envolver o tubo com uma cartolina preta?
Numa entrevista concedida ao jornalista Dam, em janeiro de 1896, Roentgen
informa que estava usando um tubo de Crookes no momento da descoberta (8
de novembro de 1895). Numa carta enviada a Zehnder (fevereiro de 1896),
ele diz que usou uma bobina de Ruhmkorff 50/20 centímetros, com
interruptor Deprez, e aproximadamente 20 amperes de corrente primária.
O sistema é evacuado com uma bomba Raps, ao longo de vários
dias. Os melhores resultados são obtidos quando os eletrodos da
descarga estão afastados por uma distância de aproximadamente
3 cm. Mais uma vez, não especifica o tipo de tubo usado; diz apenas
que o fenômeno pode ser observado em qualquer tipo de tubo de vácuo,
inclusive em lâmpadas incandescentes.
Que Roentgen descobriu os raios X por acaso, parece não haver
dúvida.
De que outra forma algo tão inesperado poderia ser descoberto? Agora,
sobre o que não se tem certeza é qual foi o acidente que
proporcionou a descoberta, e em que momento ele ocorreu. É difícil
de imaginar que no primeiro arranjo experimental Roentgen tenha envolvido
o tubo com a cartolina. O que ele esperava ver atravessando a cartolina
preta, senão raios X? Como é possível, em menos de
dois meses, alguém abordar aquela enorme quantidade de aspectos
fundamentais de um fenômeno desconhecido, por mais genial que seja?
Por outro lado, se o "verdadeiro" momento da descoberta não é
o 8 de novembro, qual a razão para Roentgen fazer-nos crer que esta
é a data correta?
Puro acidente ou não, o fato é que a repercussão
da descoberta foi de tal ordem que, com muita justiça, o primeiro
Prêmio Nobel de Física (1901) foi concedido a Roentgen.
A repercussão imediata
Em termos de repercussão imediata, a descoberta dos raios X parece
ser um caso único na história da ciência. A observação
do eclipse solar de 1919, que comprovou parte da teoria da relatividade
geral de Einstein, é um rival de respeito quando se considera a
repercussão na imprensa, mas não chega a competir, nem de
leve, quando se considera a repercussão no meio científico
(A recente descoberta das cerâmicas supercondutores também
teve forte impacto na imprensa e na comunidade científica, mas não
temos conhecimento quantitativo desse impacto). As notáveis aplicações
na medicina foram imediatamente percebidas pelo próprio Roentgen,
que fez uma radiografia da sua mão. Pesquisadores em todo o mundo
passaram a repetir a experiência de Roentgen, não apenas na
tentativa de descobrir novas aplicações, como também
com o objetivo de compreender o fenômeno, uma tarefa que desafiou
a inteligência humano ao longo de quase três décadas.
A primeira grande questão referia-se à natureza da radiação.
Aliás, o levantamento do noticiário feito por Jauncey mostrou
a confusão que se fazia entre raios X e raios catódicos.
Não apenas os jornais usavam indistintamente esses dois termos,
mas também alguns físicos. É importante salientar
que a descoberta de que os raios catódicos eram elétrons
foi feita por Thomson dois anos após a descoberta de Roentgen. Mesmo
os cientistas que não confundiam raios catódicos com raios
X, não sabiam do que se tratava essa coisa descoberta por Roentgen.
Existiam duas escolas de pensamento. Uma, à qual pertenciam os ingleses
Thomson e Stokes, acreditava que os raios X eram vibrações
transversais no éter, da mesma forma como a luz ordinária.
A outra escola, à qual pertencia o alemão Lenard, defendia
que os raios X eram vibrações longitudinais no éter.
Depois de extensivos experimentos, a polêmica foi decidida favoravelmente
à escola inglesa.
Quando, em 1905, Einstein propôs a idéia do
fóton de energia, um conceito que admitia um caráter corpuscular para
a luz, foi possível calcular o comprimento de onda associado aos
raios X, mas evidências experimentais do caráter corpuscular
só surgiram com os trabalhos de Bragg, depois de 1908. Por volta
de 1912 mais confusão veio à tona. Naquele ano, Laue
e seus estudantes W. Friedrich e P. Knipping descobriram a difração
dos raios X em cristais de sulfeto de zinco (ZnS), uma experiência
definitiva para o estabelecimento do caráter ondulatório
dos raios X. A confusão causada por essa dualidade só foi
resolvida com os trabalhos de de Broglie, a partir de 1923. Portanto, a
visão que se tem hoje dos raios X, é que eles pertencem ao
espectro eletromagnético, e como tal apresentam a dualidade partícula-onda:
dependendo das circunstâncias, evidenciam propriedades corpusculares
ou ondulatórias. Ao espectro eletromagnético pertencem a
luz visível, as ondas de rádio, o ultravioleta, o infravermelho
e as radiações gama. Fundamentalmente, o que diferencia uma
radiação de outra é o comprimento de onda. Para se
ter uma idéia, o comprimento de onda da luz visível é
mil vezes maior do que o dos raios X.
Além desse enorme interesse despertado na comunidade científica,
é interessante avaliar o interesse despertado na comunidade leiga,
que muito contribuiu para a criação de um folclore em torno
do fenômeno. A título de ilustração, vejamos
algumas das mais pitorescas notícias publicadas pelo jornal norte-americano
St.
Louis Post-Dispatch. No dia 11 de fevereiro de 1896, saiu uma nota
dando conta de uma invenção de um professor de Perugia (Itália),
que permitia ao olho humano ver os raios X. No dia 13 de fevereiro, o jornal
informava que Roentgen havia iluminado seu cérebro e visto sua pulsação.
No dia seguinte, uma matéria relatava a opinião defendida
por alguns cientistas, segunda a qual a descoberta de Roentgen poderia
estabelecer novas teorias sobre a criação do mundo.
Outras notícias extravagantes são relatadas no artigo
de Jaucey. Em um jornal não identificado, uma matéria alertava
para a vulnerabilidade a que todos estavam sujeitos depois da descoberta
dos raios X. Qualquer um armado com um tubo de vácuo, dizia o jornal,
podia ter uma visão completa do interior de uma residência.
Outras notícias sugeriam aplicações fantásticas
para os raios X, como a de ressucitar pessoas eletrocutadas. Um famoso
engenheiro eletricista, defendendo a hipótese de que os raios X
ou os raios catódicos eram ondas de som, afirmava ter ouvido a emissão
desses raios. Outro engenheiro eletricista fez tentativas para fotografar
o cérebro humano, mas não obteve sucesso.
O caráter sensacionalista que o assunto estava despertando, motivou
o New York Times a alertar, em 15 de março de 1896: "Sempre
que algo extraordinário é descoberto, uma multidão
de escritores apodera-se do tema e, não conhecendo os princípios
científicos envolvidos, mas levados pelas tendências sensacionalistas,
fazem conjecturas que não apenas ultrapassam o entendimento que
se tem do fenômeno, como também em muitos casos transcendem
os limites das possibilidades. Este tem sido o destino dos raios X de Roentgen".
Essa enorme curiosidade levou muita gente a correr sérios riscos
de saúde ao realizar suas tentativas de novas aplicações
dos raios X. No dia 29 de março de 1896, o jornal St. Louis Globe-Democrat
fazia o primeiro alerta público sobre o perigo dos raios X para
os olhos. A propósito, há uma história, aparentemente
folclórica, segunda a qual uma sapataria de Nova York tinha como
grande apelo mercadológico o fato de que os sapatos sob encomenda
eram testados com o auxílio dos raios X!
Como os raios X são produzidos
Nas suas publicações Roentgen não especifica o
tipo de equipamento utilizado, mas não é difícil imaginar
os possíveis componentes do seu arranjo experimental: uma bateria
de corrente contínua, uma bobina de indução, um tubo
de vácuo e uma bomba de vácuo. Incrementados por fantásticos
desenvolvimentos tecnológicos, e recebendo diferentes denominações,
esses componentes continuam em uso na moderna pesquisa científica.
Na época de Roentgen, eles eram conhecidos pelos nomes dos seus
descobridores. Assim, as principais baterias eram as de Volta (inventada
em 1800) e as de Bunsen (1843). Entre as bobinas de indução,
as de Ruhmkorff (1851) eram as mais famosas.
No que se refere à utilização do vácuo,
a primeira experiência que se tem notícia foi realizada pelo
italiano Gasparo Berti, por volta de 1640. A partir desses experimentos,
passando pelo barômetro de Torriceli (1644) e pela primeira bomba
de vácuo construída por Guericke (1650), chegamos às
diversas bombas disponíveis no final do século passado, entre
as quais destacam-se: a bomba de pistão-duplo de Hauksbee (1709),
as bombas de mercúrio de Geissler (1855), de Toepler (1862) e de
Sprengel (1873), e a bomba de óleo de Fluess (1892). Na carta enviado
a Zehnder, Roentgen informa que usou uma bomba Raps, cuja descrição
não se encontra na literatura pertinente.
A elaboração de tubos de vácuo para observação
de descarga elétrica teve início com os trabalhos de William
Morgan, por volta de 1785, e consistência experimental com os resultados
obtidos por Faraday, por volta de 1833. Todavia, foi somente depois
dos desenvolvimentos das bombas de vácuo, ocorridos depois de 1850,
que as pesquisas sobre descargas elétricas em gases rarefeitos tiveram
considerável impulso. Em conseqüência, os tubos de vácuo
mais conhecidos levam os nomes dos pesquisadores dessa época. Destacam-se
os tubos de: Geissler, Pluecker, Hittorf, Crookes e Lenard.
A título de recuperação histórica, apresentaremos
breves descrições dos possíveis equipamentos utilizados
por Roentgen.
A bobina de Ruhmkorff, funcionando segundo o princípio do transformador
de corrente, é capaz de produzir altas voltagens. Ela contém
duas bobinas enroladas em um núcleo de ferro, e isoladas entre si.
A bobina interna (primária) é feita com um fio relativamente
curto (de 30 a 50 metros), enquanto a externa (secundária) é
feita com um fio muito longo (centenas de quilômetros). Para o funcionamento
do equipamento, usa-se uma baterial de corrente contínua (p. ex.
bateria de Volta) para fornecer uma determinada voltagem à bobina
primária. Quando a corrente é subitamente interrompida, uma
voltagem maior é induzida na bobina secundária. O fator de
transformação da voltagem é proporcional à
razão dos comprimentos dos fios. As bobinas utilizadas no final
do século passado produziam tensões de milhares de volts
A interrupção da corrente pode ser realizada, por exemplo,
com o auxílio de um interruptor usado nas transmissões telegráficas
de código Morse. As potências dessas bobinas, medidas pelo
comprimento da centelha que elas produziam, serviam para classificar os
laboratórios da época. Para se ter uma idéia da ordem
de grandeza, a Royal Institution of London preserva uma grande bobina
de Ruhmkorff com 280 milhas de fio na bobina secundária, e capaz
de produzir centelhas com 42 polegadas de comprimento.
Parece certo que o primeiro tubo de vácuo utilizado por Roentgen
foi um tubo de Lenard, mas, aparentemente, ele comprou outros tubos de
raios catódicos convencionais. A diferença essencial entre
um e outro tipo de tubo, é que o de Lenard possui uma janela de
alumínio, projetada para permitir o estudo dos raios catódicos
no seu exterior. Confeccionados em vidro, esses tubos possuíam apenas
dois eletrodos no seu interior. Com o uso cada vez mais freqüente
dos raios X, outros tubos passaram a ser construídos. Até
1913, o mais usado era o tubo de focalização, mas logo depois
passou a ter larga aceitação o tubo de Coolidge, um modelo
ainda usado nos dias atuais.
Do que se sabe, podemos imaginar o seguinte procedimento adotado por
Roentgen: os terminais da bobina de Ruhmkorff foram ligados aos eletrodos
do tubo de vácuo; com a manipulação de um interruptor
do tipo telégrafo alta voltagem era produzida entre os terminais;
o choque do feixe de raios catódicos (elétrons) com o anodo
(eletrodo positivo) produzia os raios X. Na essência, o procedimento
utilizado atualmente é o mesmo. Costuma-se distinguir dois tipos
de raios X produzidos nesse processo (veja detalhes no texto sobre os. Um deles constitui o espectro
contínuo, bremsstrahlung
em alemão, e resulta da desaceleração do elétron
durante a penetração no anodo. O outro tipo é o raio
X característico do material do anodo. Assim, cada espectro de raios
X é a superposição de um espectro contínuo
e de uma série de linhas espectrais características do anodo.
Extraído do site: http://www.if.ufrgs.br/tex/fis142/fismod/mod06/m_s01.html
Extraído do site: http://www.if.ufrgs.br/tex/fis142/fismod/mod06/m_s01.html
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